sexta-feira, 26 de julho de 2013

Salvamento Providencial no Mar


A  Sra.  Steinhauer,  de  Battle  Creek,  Estados  Unidos, conta  abaixo  o  interessante
episódio de uma viagem que fez em navio de vela da  Ilha Jamaica a Nova Orleans, em
companhia de seus pais. Eram estes missionários que, havendo trabalhado a ponto de
ficar  com  a  saúde  combalida,  se  viram  obrigados  a  transferir-se  para  um  clima  mais
fresco.  Resolveram,  pois,  dirigir-se  ao  ponto  acima referido.  Durante  a  viagem  um
vento  forte  havia  desviado  o  navio  para  longe  de  sua  rota,  seguindo-se  então  uma
calmaria  completa,  que  impossibilitava  todo  movimento  da  embarcação.  Estando  esta
aprovisionada apenas para poucos dias, tornou-se logo necessário distribuir o alimento
em rações, aos passageiros e à tripulação.
Diz a Sra. Steinhauer: "Quando os dias se prolongaram a ponto de se converterem em
semanas, nossos sofrimentos tornaram-se em extremo  tormentosos. Bem me lembro de
estar  a  roer  uma  luva  de  pelica  para  obter  dela  algumas  partículas  nutritivas.
Recebíamos meio biscoito e um pequeno copo d'água cada vinte e quatro horas - quota
demasiadamente pequena de alimento e ainda mais insuficiente de água, debaixo do Sol
abrasador da zona semitropical. ...
"Alguns passageiros tragavam a sua porção de água imediatamente ao recebe-la; outros
acariciavam-na  com  veemente  avidez,  como  se  receassem  que  alguém,  mais  forte  do
que eles, lhas arrebatasse. Por fim, devido à sede  prolongada, a língua se nos inchou a
ponto de mal podermos fechar a boca. Minha mãe achava que mergulhar faixas de pano
em  água  do  mar,  enrolando-as  em  seguida,  molhadas,  em  volta  do  pescoço,  lhe
proporcionava algum alívio. Era com efeito para enlouquecer o ver a água em volta de
nos sem podermos mitigar a sede.
"Ao cabo de quatro longas semanas decidiu-se que, afim  de fazer a parca porção de
víveres durar mais uns dias, um homem fosse atirado ao mar. A sorte devia ser lançada
à  noite,  mas  a  decisão  não  seria  manifesta  até  pouco  antes  de  serem  distribuídas  as
rações,  no  dia  seguinte,  na  esperança  de  que  viesse algum  salvamento  antes  de  se
proceder à execução dessa medida.
"Meu pai e um cavalheiro espanhol dormiram no convés, ao passo que minha mãe e eu,
sendo as únicas pessoas do sexo feminino, além da esposa do comandante e de mais três
senhoras de terceira classe, nos retiramos para os nossos beliches.
"Escusado é dizer que já durante todos os dias anteriores foram muitas as orações feitas,
mas minha mãe resolveu passar toda a noite em súplicas a Deus, o que, com efeito, fez.
Cedo de manhã, adormeceu exausta, sendo acordada pela voz de meu pai, que dizia:
"- Minha esposa, parece-nos que avistamos ao longe a vela de um navio.
"- Oh! exclamou minha mãe em tom abatido, este navio passará como os demais que
avistamos."
"Havíamos  sido  atormentados  pela  vista  de  muitos  navios  que,  quais  pontos  negros,
apareciam  no  horizonte  ocidental,  mas  conservaram-se  sempre  a  tão  grande  distância
que não nos foi possível chamá-los à fala, nem mesmo que eles vissem nosso sinal de
desespero.  Depois,  recordando-se  de  sua  ocupação  durante  a  noite,  ela  acrescentou,
arrependida: 'Não, Deus me perdoe! é Ele quem ouviu a minha oração; o navio virá em
nosso socorro.
"-  Não  estejas  demasiado  certa,  minha  esposa,  disse meu  pai,  ternamente;  pois,  não
quero que fiques desapontada. Naturalmente, se for a vontade de Deus, o navio virá em
nosso socorro.
"É  a  Sua  vontade,  replicou  confiadamente  minha  mãe. Estou  certa  de  que  a  salvação
está próxima.
"Vestimo-nos  o  mais  depressa  possível  e,  em  seguida,  subimos  as  escadas  para  o
convés.  Jamais  me  esquecerei  da  cena  que  se  desdobrou  ante  os  meus  olhos.  Ali,  ao
lado do navio de onde se avistava o objeto que esperávamos nos trouxesse o almejado
socorro, estavam reunidas todas as pessoas de bordo. Não se falava nenhuma palavra,
mas a simples vista não se podia discernir coisa alguma; em silêncio mortal o óculo de
alcance do navio passou de um para outro, a fim de todos olharem.
"Parece, de fato, um navio. Sim, agora estávamos certos de que a nossa esperança havia
tomado forma sólida. Mas viria o navio em direção ao sítio onde nos achávamos? ou vêlo-íamos desaparecer da vista como o navio dum sonho?
"Mas não; mais e mais o navio se aproximava de nós.Em breve o enxergávamos a olho
desarmado.  Sinais,  não  os  podíamos  fazer,  pois  estávamos  demasiados  fracos  e
extenuados. O navio, porém, ia chegando, não obstante, em linha reta. Finalmente nos
deram voz:
"- Navio, olá!
"Mas nenhum dos homens a bordo tinha força suficiente para responder.
"Apesar de não obter resposta, a embarcação continuava a aproximar-se até chegar bem
perto do nosso infeliz navio, quando se arreou um bote no qual tomaram lugar quatro
homens,  sendo  um  deles,  ao  que  parecia,  o  comandante.  A  suprema  ânsia  daquele
momento  acha-se-me  impressa  indelevelmente  na  memória,  embora  fosse  eu  naquele
tempo uma simples criança.
"O comandante foi o primeiro a abordar o nosso navio, e ao subir ao convés, vendo a
nossa miséria, tirou o chapéu e disse em voz solene:
"- Agora creio que há um Deus no Céu!
"Verificou-se  ser  o  navio  um  daqueles  rebocadores  que  levam  outros  navios  para  o
porto.  Por  lei  esses  rebocadores  estão  obrigados  a  não  se  afastar  senão  até  certa
distância do porto. (Era pelo menos, assim naquele tempo.) Mas a narração que nos fez
o comandante foi assaz singular:
"Tendo  ido  até  onde  a  lei  lhe  permitia,  sentiu-se  impelido,  por  força  inexplicável,  a
continuar a marcha, e isto apesar de não se avistarão longe nenhum navio. Seu piloto
protestou contra isso, lembrando-lhe a multa em que incorria.
"- Não posso resistir! Sou forçado a prosseguir viagem! foi a única resposta.
"Pouco  depois  começou  a  sofrer  um  desesperado  enjoo,  coisa  que  não  lhe  tinha
acontecido havia vinte anos, e viu-se forçado a retirar-se para o camarote; mas mesmo
assim  recusou-se  a  voltar,  dando  ordens  que  se  fizessem  ao  mar.  Então  a  tripulação
rebelou-se,  pois  já  começavam  a  sentir  falta  de  provisão,  e  resolveram  assumir  eles
próprios a direção do navio, julgando que o comandante perdera a razão.
"Neste  ponto  a  aflição  que  o  atormentava  tornou-se  agoniante,  e  implorou-lhes  que
continuassem a viagem, prometendo que, se ao nascer do Sol do dia seguinte não se lhes
deparasse coisa alguma que justificasse a sua ação,abandonaria o projeto e voltaria ao
porto.
"A isto os tripulantes acederam, com relutância; e,ao clarear o dia, o homem no cesto
da gávea avisou que via, ao longe, um objeto escuro e imóvel.
"- Aproai ao mesmo! exclamou o comandante peremptoriamente. É isso mesmo o que
procuramos.
"Nesse mesmo instante lhe passou o enjoo, e ele reassumiu o posto de comando, como
dantes. Quando, al alcançar-nos, deu com os olhos sobre os corpos macilentos e nossa
desconsolada miséria, apossou-se dele com força irresistível - embora tivesse sido ateu
havia muitos anos - a convicção de que um poder sobrenatural o havia guiado, e de que
existia um Deus no Céu. Mais tarde, quando soube como minha extenuada mãe havia
passado a noite em oração, ampliou a sua fé a ponto de incluir o fato de ser esse Deus
um Deus que ouve as orações de Seus filhos e a elas atende."
Selecionado do Livro Pérolas Esparsas

Nenhum comentário:

Postar um comentário