O governo de Roma havia proibido, severamente, sob pena de morte, aos hebreus, o estudo da Sagrada Lei.
O intrépido Kismá, sem atender no perigo a que se expunha, predicava publicamente as sábias palavras da Lei.
Um dia, um amigo do sábio de nome Haniná foi fazer-lhe uma visita e com modos afáveis e piedosos, falou-lhe assim:
- Amigo meu! Não compreendo que, pela vontade de Deus tenha esta nação alcançado riqueza e poder. Não foi também Deus quem arruinou a capital de Israel, reduzindo a cinzas suas casas e templos, exterminando os fiéis enquanto os romanos vivem, prosperam e triunfam? Que vale pois lutar contra os desígnios do Onipotente? Por que persistes em teus estudos religiosos, em teus ensinamentos públicos e levas ainda no seio o Livro da Lei?
Responde o outro, com íntima convicção:
- Não deixo, um momento, de ter confiança na justiça divina.
- Bela resposta, em verdade! Apresento fatos, aponto verdades e tu me contestas com a justiça divina! Receio muito que acabes no fogo com teu Livro da Lei.
Depois de haver formulado este triste augúrio, Haniná quedou-se um tanto pensativo; logo, movido por caprichosa curiosidade, interpelou Kismá:
Mestre! Qual será, na tua douta opinião, a minha sorte na segunda vida?
- Filho meu - redargüiu o sábio - para julgar-te é necessário conhecer, ao menos, algumas de tuas obras.
- Minhas obras? Elas nada valem, mestre! Lembro-me, por exemplo, de um caso ocorrido há poucos meses. Foi-me confiada uma bolsa com pequena soma para ser distribuída em esmolas. Por distração tomei, também, do dinheiro que possuía e coloquei-o na bolsa destinada aos pobres. No mesmo instante percebi o meu erro. O meu dinheiro fora juntar-se ao que estava destinado a benefícios e não quis retirá-lo mais de lá, e entre os necessitados distribuí o total da bolsa.
Oh, filho meu! - exclamou o rabi Kismá, sem ocultar sua admiração - se as obras são dessa grandeza, que minha sorte seja, na segunda vida, precisamente igual à tua!
Estas santas palavras pronunciadas com tanta bondade e simpatia penetraram profundamente no ânimo de Haniná, e fizeram com que o jovem, daquele dia em diante, fosse tomado de viva paixão pela Lei de Deus.
Kismá terminou seus dias amado e honrado. Aos seus funerais compareceram não só os hebreus, como numerosos romanos de alto prestígio na corte de César.
Quando os romanos se retiravam, depois das exéquias do santo homem, encontraram numerosa assistência que estava atentíssima à palavra do orador. Este era Haniná, o qual com o Livro da Lei sobre o peito, ensinava publicamente a sagrada doutrina da fé.
Enfurecidos com a audácia do hebreu, os romanos condenaram-no ao fogo e para maior tormento e desdém, deixaram-lhe, sobre o peito, o Livro da Lei.
Torturado por inenarráveis dores, o pobre mártir sofria sem queixas o suplício tremendo.
Sua filha, tomada de desespero, bradava:
- Esta é a recompensa à tua virtude?
Estertorava o mártir sem olhar para a jovem, o rosto voltado para o céu:
- Que importa o meu sofrimento? Não vês este Livro Sagrado que comigo vai transformar-se em cinzas? O vingador deste será meu vingador.
Seus discípulos, profundamente admirados o contemplavam estáticos, e observando a imperturbável serenidade de seu semblante, diziam condoídos:
- Mestre! Que misteriosa visão reanima o teu espírito?
- Filhos meus! Vejo o pergaminho deste livro converter-se em cinzas, porém a palavra terna voa ilesa para o Céu!
E, assim, morreu o abnegado Haniná, mártir de sua inabalável fé em Deus.
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