quarta-feira, 5 de outubro de 2011

O Juiz e o Papagaio

A OPULENTA cidade de Cabul vivia, nesse tempo, agitada por estranho boato. Diziam alguns, afirmavam muitos, que o integro e prestigioso juiz Fauzi Trevic, antes de sair para o exercício de suas altas funções do tribunal, ouvia os conselhos de um papagaio.
Havia até quem soubesse particularidades sobre o caso. O papagaio fora trazido das montanhas por um feiticeiro famoso e vivia encerrado em rico aposento, longe das vistas e dos ouvidos curiosos.
Os mais ousados garantiam que se tratava de uma ave encantada, que trazia no corpo o espírito de um gênio - um djim, talvez. O maravilhoso papagaio conhecia jurisprudência e ditava leis com a eloqüência e a sabedoria dos grandes ulemás. Não havia, aliás, outra explicação para aquele mistério, pois o juiz Trevic proferia sentenças notáveis, fundamentadas sempre com grande elevação, e elogiados pelos advogados mais exigentes e intolerantes.
O caso chegou, afinal, ao conhecimento do rei Nassin bem Nassin.
- "Mac Allah"! - estranhou o soberano persa. – É assombroso! Quem poderia acreditar que houvesse no Islã um papagaio capaz de orientar as longas sentenças de um sábio juiz?
Resolvido a esclarecer de qualquer modo o enigma, o poderoso rei mandou vir à sua presença o doutíssimo Fauzi Trevic e interrogou-o.
Seria verdadeira aquela voz que corria pela cidade, abalando os incrédulos e enchendo de infinito assombro, os simples e os ingênuos?
- Sim, ó Rei Magnânimo!, é verdadeira a voz - confirmou o ilustre cádi. - Não devo ocultar a verdade. Todos os dias, antes de seguir para o tribunal; ouço os conselhos de um modesto papagaio verde de bico amarelo! Juro, pelas barbas de Maomé, que é essa a expressão da verdade!
- Exaltado seja Allah!, o Único! - exclamou o monarca. - Não creio que possa existir, sob o céu ou sobre a terra maravilha maior do que essa que acabais de revelar!
- Vejo-me forçado a dizer-vos, ó Rei do Tempo! - prosseguiu o juiz - que o papagaio, meu amigo e conselheiro, só sabe pronunciar duas palavras. Com esse limitadíssimo vocabulário, consegue ele orientar com segurança e clareza todas as minhas sentenças.
- Com duas palavras! Que palavras mágicas serão essas que servem como dois faróis no meio do oceano das leis?
Respondeu o digno magistrado:
- Bondade e Justiça! Justiça e Bondade! Eis as palavras que ouço todos os dias do meu fiel papagaio! Procuro tê-las sempre bem vivas no fundo do coração! Quando estudo as causas sobre as quais sou obrigado a votar e decidir, esforço-me por ser bom e procuro ser justo. A justiça que corrige ou castiga deve ser inspirada pela Bondade que nobilita e eleva. E ainda: a Bondade, que exalta o fraco, não pode prescindir da Justiça, que reabilita o forte. Confesso, pois, que todas as minhas sentenças são norteadas pelo admirável conselho do papagaio. Bondade e Justiça!
- Por Allah, senhor dos mundos visíveis e invisíveis! – Disse o rei. - Por Allah! Seguissem todos os reis, ministros e magistrados o conselho daquele papagaio e a felicidade desceria sobre os povos e a paz reinaria entre as nações!
Uassalã!

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