Para além das montanhas sombrias do Sudão, numa região recortada de rios imensos, existia pequeno país que era governado por um emir poderoso e justo, chamado Ienir.
Era esse rei distinguido pela estima de seu povo. Bondoso e simples, a todos procurava amparar e socorrer. Fizera erguer pelas estradas de Am-hara - era esse o nome do país - amplos caravançarás para os pobres, abrigos para os enfermos e procurava, por todos os meios ao seu alcance auxiliar aqueles que trabalhavam nos campos ou escavavam as minas.
E quem inspirava o poderoso Ienir? Quem o impelia a praticar a caridade? Era sua filha, a formosa princesa Radiá. O rei de Am-hara, viúvo, encontrara em Radiá todo o encanto de sua vida.
Muitos anos governou Ienir as terras férteis de seu país.
Uma noite, afinal, ao atravessar a espessa floresta dos "Gênios Arrogantes", perdeu-se de seus companheiros e de sua escolta, e ao caminhar sem rumo no meio das trevas, foi atacado pelas feras. Assim pereceu o valente Ienir, a cuja dedicação devia Am-hara largo período de paz e prosperidade.
A formosa Radiá, com a morte trágica de seu pai, ficou desoladíssima. Cobriu-se de luto e determinou que em todo o país fossem celebradas, com grande solenidades, as cerimônias fúnebres tradicionais.
Não se deixou, felizmente, a jovem princesinha dominar pelo torturante desespero. A ela é que competia, apesar de seus tenros dezoito anos, assumir o governo e orientar, com energia e desassombro, os destinos de sua terra e da sua gente. E assim o fez. Reuniu seus ministros e conselheiros e determinou fossem tomadas providências a fim de que a vida do país retomasse o seu ritmo normal.
Há, porém, um velho provérbio abexim, que diz: "A desgraça viaja sempre em caravana" - ou melhor - uma desgraça nunca vem só!
E foi isso, exatamente, o que ocorreu nesse tempo, em Am-hara.
Depois da morte do rei, várias calamidades assolaram o país. Terrível epidemia dizimou grande número de aldeias; enchentes imprevisíveis destruíram as minas e três nuvens de gafanhotos, vindos do Egito, destruíram os campos de cultura.
Onde encontrar recursos para socorrer os flagelados? Como evitar que o país de Am-hara fosse levado à ruína e à miséria?
Eis que ocorreu um caso extraordinário.
A princesa Radiá teve um sonho. Foi um sonho estranho e singular.
Sonhou que se achava a meditar na varanda de seu palácio. O sol, com seu turbante de fogo, rolava pela estrada azul da imensidão. De repente, viu Radiá erguer-se do fundo da mata um bando incalculável de pássaros pequeninos que cobriam o céu com suas asas. E os pássaros eram verdes como as folhas novas da tamareira!
Estava Radiá admirando o singular espetáculo, quando notou que os passarinhos, sob a luz do sol, mudavam de cor. Ficaram vermelhos, mais vermelhos, talvez, que os formosos rubis da coroa real.
Os pássaros, que eram verdes, tornavam-se vermelhos!
E não foi só. Ao fim de alguns instantes, novamente a passarada mudava a coloração de suas penas. O vermelho vivo, que se destacava no céu, foi substituído por um amarelo-escuro, acinzentado.
Voaram, ainda, durante algum tempo. De súbito, porém, precipitaram-se no chão como se tivessem sido todos abatidos pelo golpe de um caçador prodigioso. E no chão (eram tantos!) chegaram a formar montes mais altos do que as casas!
Nesse instante a princesa viu surgir a seu lado um desconhecido ricamente trajado. Parecia um estrangeiro. Tinha os olhos azuis e os cabelos louros.
Disse o estrangeiro com voz grave e pausada:
- Dai-me, ó Princesa!, esses passarinhos que se amontoam pelo chão e eu vos darei, em troca, ouro e pedrarias.
- Mas eles estão mortos! - lamentou Radiá.
- Parecem mortos, replicou o desconhecido - mas para mim valem uma riqueza!
Nesse instante, Radiá acordou.
E, impressionada com o sonho, mandou chamar os magos e adivinhos mais famosos da cidade. Nenhum deles, porém, conseguiu interpretar o mistério que tanto abalara a querida princesinha!
Um dia, afinal, apresentou-se em palácio um jovem camponês, chamado Ben-Sete. Afirmava que seria capaz de explicar o estranho e impressionante sonho.
Com intensa alegria resolveu Radia interrogá-lo. Disse Ben-Sete, o camponês:
- Esses pássaros que partem da mata e que são verdes a princípio, depois vermelhos e, finalmente, amarelos, simbolizam as sementes de uma planta preciosa, que muitos homens denominam "café". Reparai, ó princesa! Os grãos do café são, a princípio, verdes; depois, pela ação do sol, amadurecem e tornam-se vermelhos; perdem, por fim, a linda cor vermelha e apresentam-se com uma cor amarelo-escura. Com esse café, uma vez levado ao fogo, torrado e reduzido a um pó negro, pode-se preparar deliciosa bebida que faz um bem incalculável à nossa saúde! Reanima os fracos; revigora muito mais ainda os fortes. E, por isso, os estrangeiros compram o café e dão em troca as valiosas moedas de seus tesouros! Cultivai o café, Princesa! pois ele será a riqueza e a salvação de nosso país!
Radiá seguiu o conselho do jovem e inteligente camponês.
As grandes plantações de café, que viviam abandonadas e sem valor, foram cuidadosamente cultivadas. Em pouco tempo, graças à grande produção de café que os povos de todos os recantos trocavam por ouro, o reino de Am-hara tornou-se próspero e feliz. Reza ainda a lenda que a sedutora Radiá, para envolver seu sonho num romance de amor, casou-se com o jovem Ben-Sete e foram felicíssimos.
Muitas vezes era Ben-Sete interrogado pelos doutores e ulemás.
- Como deve ser o bom café?
O esposo da encantadora Radiá respondia sempre com um sorriso:
- O café, para ser realmente perfeito, deve ser negro como os olhos de Radiá; doce como o seu sorriso; puro como os seus pensamentos e ardente como o seu coração
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