quinta-feira, 6 de outubro de 2011

O Tapete de Nasir-Edin

Todas as manhãs, depois da prece habitual, o sultão Nasir-Eddin Mahmud II, o poderoso senhor do Hindustão, deixava o seu riquíssimo palácio de El-Abrage e ia, acompanhado unicamente por seu vizir, o fiel Omar Midian, passear despreocupadamente pelos arredores da famosa cidade de Ghazna.
Um dia, ao passar pelos suques dos mercadores, avistou o invicto soberano, em um dos bazares, riquíssimo tapete persa de cor verde-escura, no qual se liam, bordados com letras de ouro, harmoniosos versos e pensamentos famosos de sábios e filósofos do Islã.
- Belo tapete! - exclamou o sultão. - Vou comprá-lo para adornar o pavilhão de minha esposa Fátima.
E ordenou ao vizir Omar indagasse no mesmo instante, do mercador que ali expunha as suas quinquilharias, o preço da ambicionada alcatifa.
O vizir dirigiu-se a um velho de barbas brancas que, sentado indolentemente junto à porta, as pernas cruzadas à maneira oriental, fumava descuidado em um grande narguilé de prata uma mistura aromática de fumo e haxixe (1).
Ao avistar o digno ministro do rei o mercador levantou-se e saudou respeitosamente o nobre muçulmano:
- Marhaba ia akhal-arab! (Bem-vindo sede, ó Irmão dos Árabes!). Que desejais de mim, senhor? - Que objeto teve a fortuna de agradar aos vossos olhos bondosos?
- Meu bom velho - respondeu o vizir, - desejo apenas saber, por ordem do nosso glorioso sultão, o preço desse belo tapete que traz no centro, em caracteres dourados, um verso de Motanabbi, o grande poeta!
- Esse tapete, ó judicioso vizir (que Allah vos cubra de incalculáveis benefícios!) pouco valia ontem! Seu preço não excedia de cem dinares! Hoje, porém, não posso vendê-lo senão por duzentos dinares! (2)
- Por Allah, ó mercador! - exclamou o vizir. - Não é honesta tão exagerada elevação no preço. Por que motivo um simples tapete que ontem custava cem, hoje só pode ser vendido pelo dobro?
- Senhor! - redargüiu o velho mercador, com brandura e naturalidade. - Este tapete era um utensílio vulgar como muitos que as caravanas trazem de Bagdá e de Basra! Hoje, porém, quis Allah (seja o Seu nome exaltado!) que ele atraísse a preciosa atenção do nosso poderoso sultão Nasir-Eddin Mahmud II, senhor do Hindustão, conquistador de Ghazna e vencedor dos mongóis! Foi unicamente por este motivo que o seu preço cresceu repentinamente!
Omar Midian, o vizir, voltou a transmitir ao sultão a curiosa resposta do velho que mercadejava à porta do bazar.
- Ualá! Pela terceira sombra do Profeta! - bradou o rei. – Parece-me que esse mercador não é honesto! É audacioso, explorador! Duplicou o preço do tapete ao perceber que eu desejava adquiri-lo!
E sem mais hesitar o califa apeou do garboso alazão que montava e dirigiu-se ao ancião persa.
O mercador, ao ver diante de si o sultão Mahmud, inclinou-se e humilde beijou a terra entre as mãos. (3)
- Vanabi! (4) Não te parece, ó insensato - declarou o monarca - que não é curial nem honesto vender-se por duzentos um objeto que vale apenas cem?!
E acrescentou, dando à voz usualmente branda uma inflexão de invulgar energia:
- Não ignoras, por certo, ó muçulmano, que tenho a força e o poder em minhas mãos. Se eu quisesse, por um simples gesto meu, a tua barraca seria destruída, tua mercadoria queimada e tu arrastado impiedosamente pelas ruas de Ghazna. Pagarias com a vida a tua insaciável cobiça e o teu louco atrevimento! Não quero, porém, abusar da força que, pela vontade do Altíssimo, o Destino me depositou nas mãos! Vamos, medita um instante e dize-me agora, quanto custa esse tapete prateado que tem o verso de Motanabbi?
O velho mercador, depois de inclinar-se mais uma vez humildemente diante do sultão, respondeu sem tergiversar:
- Devo dizer, ó rei magnânimo (que Allah prolongue por muitos anos a vossa preciosa existência!), que esse tapete custava há pouco duzentos dinares, mas agora não posso vendê-lo por menos de quatrocentos!
E como o sultão fitasse nele os seus olhos negros desmesuradamente abertos pelo espanto, o ancião acrescentou:
- Este tapete é agora preciosíssimo! Por causa dele o nosso glorioso sultão Mahmud II, o rei generoso e justo, esteve prestes a praticar uma grande iniqüidade, uma clamorosa injustiça, chegando mesmo a ameaçar de morte um pobre mercador de Ghazna.
Riu o sultão ao ouvir a inesperada resposta do velho mercador, que ensinava uma sabia e profunda lição, e pagou, não quatrocentos, mas oitocentos dinares.
O grande e generoso monarca compreendeu certamente que, além do belo tapete, ele recebera do velho mercador uma sábia e profunda lição de moral.
Aqueles que praticam a injustiça contra os fracos - diz o Livro Sagrado, na sua eterna sabedoria – escudando-se na força e na tirania, não merecem nem a misericórdia, nem o perdão de Deus!
E na pedra sob a qual ainda hoje repousa o corpo de Mahmud II está gravado em árabe:
 
“Al-Adl Assas El-Mulk” - verdade que os reis e poderosos não devem nunca esquecer:
 
“A Justiça é o alicerce do Governo”.
          
 
(1) Haxixe - substância narcotizante preparada com folhas secas e hastes tenras de cânhamo. Os árabes dados ao uso da embriaguez fumam ou comem esse entorpecente. O haxixe embebeda como o ópio e o seu uso conduz sempre à imbecilidade e à loucura. 
(2) Dinar - moeda persa. 
(3) Beijar a terra entre as mãos é a maior demonstração de humildade. A pessoa ajoelha-se diante do monarca, coloca separadamente as palmas das mãos no chão e abaixa a cabeça até a testa tocar o solo. 
(4) Vanabi! - exclamação de espanto. Corresponde mais ou menos à expressão: "Com mil demônios!"

Nenhum comentário:

Postar um comentário