Houve na Pérsia - contam-nos os velhos escritores do Islã - um rei poderoso e rico chamado Dhomahir que, pelas suas extravagantes manias e caprichos intoleráveis, conquistou triste celebridade na história de seu glorioso país.
Na corte desse monarca vivia um poeta chamado Clarik, moço de grande talento.
Certo dia o famigerado tirano (Allah se compadeça dele) mandou vir à sua presença o jovem poeta e, com o maldoso intuito de deixá-lo em apuros, disse-lhe:
- Quero que me contes agora, ó poeta! - a história completa do meu reinado sem pronunciar, porém, uma única palavra!
O grande salão real, que a todos deslumbrava pelo inexcedível luxo das tapeçarias e troféus, achava-se naquele momento repleto de nobres, altos dignitários da Corte e inúmeros convidados. Não foi difícil ao inteligente Clarik - graças ao seu esclarecido espírito - perceber logo que aquela intimação absurda fora sugerida perfidamente por um dos muitos cortesãos invejosos que rodeavam habitualmente o soberano.
- Querem divertir-se à minha custa! - pensou. - Aos chacais invejosos vou mostrar que sei vencer as mais intrincadas dificuldades da vida!
E Clarik, o poeta, sem deixar transparecer a menor inquietação, inclinou-se respeitoso diante do monarca e assim falou:
- A ordem de Vossa Majestade, ó rei dos reis! - está diante dos meus olhos e do meu coração! Vou contar a história de seu glorioso reinado sem pronunciar uma única palavra.
Fez-se no grande salão real profundo silêncio. Clarik aproximou-se com passos vagarosos da escadaria de mármore vermelho que conduzia ao deslumbrante trono em que tinha assento o rei Dhomahir.
Todos os olhares se voltaram ansiosos para o poeta. Como iria atender àquele descabido capricho do rei?
Na sua imperturbável calma, depois de inclinar-se três vezes diante do poderoso senhor, o poeta começou a balar como uma ovelha:
- Mé! Mé! Mé!
Em seguida entrou a ladrar como um cão:
- Au! Au! Au!
Sem dar atenção ao grande espanto do rei, nem ao pasmo inconcebível que dominava os cortesãos o poeta passou a bramar como o tigre e a rugir como o leão.
- Que é isto, ó insensato! - gritou colérico o rei. - Queres pilheriar comigo? Que pretendes significar com esses rugidos e latidos?
- Devo confessar - ó rei magnânimo! (que Allah abençoe os cabelos de Vossa Majestade) que foi a única maneira que encontrei para contar, sem pronunciar palavra, a história completa de seu glorioso reinado! É, na verdade, muito simples e muito clara a significação das diversas vozes com que acabo de ferir os seus régios ouvidos.
E, ante a mal contida admiração dos vizires e nobres, o poeta assim continuou:
- Logo que subiu ao trono, mostrou-se Vossa Majestade bondoso como uma ovelha. Esse fato exprimi-o procurando imitar os balidos desse animal. Nos primeiros tempos, notando naturalmente Vossa Majestade que ainda não granjeara a confiança completa de seus súditos, resolveu conquistá-la. Com esse intuito Vossa Majestade deu provas cabais de que era um servo cumpridor das leis e dos princípios religiosos do país! Vossa Majestade foi de uma fidelidade constante para com o povo e para com Deus! E o símbolo da fidelidade é o cão. Quando porém os inimigos atacaram o país mostrou-se Vossa Majestade valente e audacioso. Não procurava o combate, mas também não fugia dele! Vossa Majestade era como o tigre dos juncais que ataca, rasga, estripa e faz rolar moribundo o elefante enfurecido! E para lembrar esse trecho da sua história eu imitei a voz do ágil felino. Depois de triunfar nessa gloriosa campanha Vossa Majestade revelou possuir uma energia leonina. Fez passar os prisioneiros a fio de espada, escravizou o povo e reduziu a escombros as cidades conquistadas! Vossa Majestade esmagou o inimigo como faz o leão bravio ao caçador que errou o alvo de seu peito! Eis, pois, ó Rei afortunado! - a história completa de seu brilhante reinado!
Achou o rei Dhomahir muita graça na lembrança original do espirituoso poeta e deu-lhe uma bela recompensa - o que ainda mais irritou os invejosos da corte.
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