O célebre filósofo e poeta El-Khattabi, do Sedjistã, dizia: - "Para cada pequeno defeito deve o homem de bem possuir sete grandes qualidades!".
Al-Manzor, califa de Córdova, cujo nome famoso aparece tantas vezes na História do Islã, estava longe de apresentar entre os predicados e imperfeições de seu caráter essa admirável proporção preconizada pelo filósofo! E, se merecem crédito os eruditos históriadores da antiga Espanha muçulmana, o grande Al-Manzor tinha três qualidades: era generoso, leal e valente. O brilho desses predicados ficava, porém, empanado pela nuvem sombria de um grande defeito: a vaidade. E se pudéssemos, portanto, com a admirável Matemática de Omar Kháyyám estabelecer uma proporção que definisse, pelo sistema de El-Khattabi, o caráter de Al-Manzor, encontraríamos o diminuto quociente de três para um. Tal falha, porém, não impedia que o soberano de Córdova fosse muito estimado por seus súditos e muitíssimo admirado pelos sábios e escritores de seu país. Prova-o sobejamente o fato ocorrido com o poeta Khalil, da corte do soberano cordovês.
Certa vez Al-Manzor chamou o jovem Khalil e lhe disse:
- No dia do aniversário do nosso incomparável Profeta (com ele a glória de Allah!) darei aqui, em palácio, uma grande festa. Quero que apareças durante o banquete, trajado de tal modo que todos os nobres e intelectuais presentes possam avaliar o quanto tenho sido generoso para contigo!
Respondeu o talentoso muçulmano:
- A vossa ordem, ó Rei!, está em meus olhos e no meu coração! Tudo farei a fim de deixar bem patente a todos os que me virem nesse dia, quanto tenho sido beneficiado pela vossa inexcedível generosidade!
No dia da grande solenidade, quando o rico salão do salaat já se achava repleto de convidados, disse o califa:
- Dentro de poucos momentos o bom Khalil aqui aparecerá. E todos hão de convir, pela maneira brilhante de trajar do nosso poeta, que a minha generosidade para com os homens de real talento do meu país não sofre paralelo com a de ninguém!
Alguns minutos depois surgiu no suntuoso divã do vaidoso monarca, a figura popular de Khalil. Ao invés, porém, de trazer, a cobrirem-lhe o corpo esguio vestes riquíssimas feitas de tecidos de ouro e pedrarias - como o esperavam todos, o poeta ostentava verdadeiros trajos de mendigo: o turbante, a kamiss, a aba, a churual, feitos exclusivamente de remendos sórdidos e grosseiros.
A figura grotesca de Khalil causou hilaridade geral entre os numerosos cortesãos. O poeta pretendia demonstrar a generosidade de seu protetor apresentando-se publicamente, como se fora um mendigo, coberto de farrapos!
Ao notar a figura ridícula de Khalil o califa sentiu-se crivado de insultos e, ferido na corda sensível de sua vaidade, gritou colérico:
- Queres humilhar o teu soberano, ó ingrato? Esqueces os mil benefícios, favores e presentes que tens recebido de mim? Não se sujeita impunemente o Califa dos Crentes ao riso e à chacota de seus cortesãos! Vais pagar, ó poeta!, com a vida a tua louca zombaria e a afronta que me fizeste!
- Califa de Allah - exclamou Khalil inclinando-se respeitoso e impassível - os vossos súditos riram-se à minha chegada como insensatos, sem razão alguma! Aparecendo aqui, com estas roupas feitas de remendos, quis trazer ao público a prova cabal do quanto tendes sido generoso e bom para com a minha desvaliosa pessoa! - E prosseguiu calmo e risonho, olhando cheio de orgulho e fixamente os invejosos cortesãos que o rodeavam:
- Devo dizer, particularmente àqueles que troçaram de minha bela vestimenta, que os numerosos remendos de minha roupa são todos diferentes - foram feitos exclusivamente com pedaços dos sacos em que recebi o dinheiro do nosso generoso califa. Assim, cada remendo que me cobre representa uma Dádiva, e verão que do turbante ao ajebrat tenho mil remendos de todas as formas e tamanhos! Os meus trajes preciosos são feitos com os remendos de tecido que encerrou a vossa bondade!
O califa de Córdova, depois de muito examinar a talentosa e original lembrança do poeta favorito, disse:
- Na verdade, ó muçulmanos!, os remendos das vestes do nosso admirável amigo provam claramente a minha generosidade! Queira Allah, o Exaltado, que os grandes poetas possam exibir sempre trajes tão remendados como os de Khalil!
E, desse dia em diante, o poeta dos remendos tornou-se a figura mais popular de Espanha.
E, desse dia em diante, o poeta dos remendos tornou-se a figura mais popular de Espanha. E sempre que o famoso Khalil - graças à generosidade do califa - era levado a acrescentar mais um remendo à sua roupa, lembrava-se do perigo a que se expusera quando ferira, sem querer, a vaidade do soberano. Bem sabia o jovem que se Al-Manzor era simples, amável e bom, não deixava de ser, também, muito desconfiado.
Três para um!
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