quinta-feira, 6 de outubro de 2011

O Príncipe Louco e o Mau Rei

No país de Astrabad vivia outrora um rei perverso e mau chamado Balchuf.
Não tendo filhos, era seu herdeiro um sobrinho - o príncipe Kabadiã - moço desajuizado e turbulento que vivia a cometer toda sorte de loucuras e estroinices.
Raro era o dia em que o futuro rei não praticava uma proeza qualquer.
O rei, longe de procurar corrigir-lhe a índole arrebatada e travessa distraía-se com suas extravagâncias e ria-se quando ouvia contar alguma nova tropelia daquele a quem já chamavam o "Príncipe Louco".
O povo de Astrabad antevia bem triste os dias que o aguardavam. Entregue a um monarca impiedoso e sanguinário o pais entraria fatalmente em completa decadência. Os estrangeiros já fugiam de Astrabad com receio das perseguições, e o comércio arrastava-se onerado e sem ânimo, coberto de impostos exorbitantes.
Um grupo de patriotas, compreendendo que aquele estado de coisas levaria todos à ruína, resolveu conspirar contra o rei, proclamar a República e entregar ao mais digno a direção do Estado.
Houve, porém entre os oposicionistas um miserável delator que se apressou em levar ao conhecimento do rei o plano deliberado pelos conspiradores.
Enfureceu-se o soberano ao ter notícias de que alguns ricos súditos pretendiam subverter a ordem legal do país e resolveu castigar implacavelmente os chefes daquele movimento republicano. Mandou degolar alguns, eliminando os mais influentes, desterrou outros, prendeu os suspeitos e confiscou os bens de todos os adeptos da revolução.
Esta vitória não lhe restituiu, porém a tranqüilidade que perdera. O fantasma da revolta continuava a povoar-lhe a mente, como um sonho mau.
- Uma tentativa destas - pensava - deixa terríveis germes nos corações dos descontentes e dos vencidos. Se eu não tomar uma providência enérgica, cedo terei de dominar outra rebelião. E encontrarei, porventura, quem me avise a tempo?
Preocupado com tais pensamentos, resolveu Balchuf mostrar ao seu povo que ele não era tão ruim como os seus adversários faziam crer.
- Para isto - refletiu maldoso - vou afastar-me durante um ano do governo e deixar meu sobrinho no trono. Tais loucuras há de ele praticar, tão freqüentes serão os seus atos de tirania, que quando eu voltar o povo respirará menos oprimido e verá em mim um soberano ponderado e justo.
Ora, o rei Balchuf fora informado de que o Príncipe Louco dissera várias vezes a seus amigos e companheiros que quando subisse ao poder praticaria de início três façanhas espantosas: uma represa das águas do rio Gurgã, a construção de um castelo subterrâneo e a abolição do véu para as mulheres.
E, antegozando a dura lição que infligia ao país inteiro, esfregava as mãos de contente:
- O primeiro ato de meu tresloucado sobrinho levará o país às portas da miséria; o segundo à ruína completa e o terceiro à revolução religiosa e à guerra civil!
E resolvido a pôr em execução sem mais delongas o plano diabólico, o rei Balchuf assinou um decreto em virtude do qual seu sobrinho Kabadiã o substituiria no governo pelo espaço de um ano. Ele - o rei - iria, durante esse tempo, fazer uma visita ao seu velho amigo Iezide II, sultão do Hajar.
Foi com verdadeiro pavor que o povo de Astrabad recebeu a nova da viagem do rei e a conseqüente ocupação temporária do trono pelo Príncipe Louco.
Partiu o rei Balchuf resolvido a regressar dentro do prazo marcado. Preso, entretanto, por uma grave e prolongada enfermidade no longínquo país de Hajar, não pôde voltar senão quatro anos depois.
Chegado a Astrabad, depois de tão longa ausência, notou que os seus domínios haviam progredido extraordinariamente. Um vizir que, por ordem do governo, veio esperá-lo na fronteira disse-lhe sem mais preâmbulos:
- Penso que Vossa Majestade não deve tentar reassumir o trono, pois o povo poderia revoltar-se e massacrá-lo.
- Como assim? - exclamou o rei. - Será possível que meus súditos prefiram ser governados pelo Príncipe Louco a ter-me no trono?
- Peço humildemente perdão a Vossa Majestade  recalcitrou o vizir. Devo asseverar, porém, que Vossa Majestade está completamente equivocado. O príncipe Kabadiã está governando admiravelmente o país. Até hoje não havíamos encontrado um chefe de Estado de mais ampla visão e sabedoria!
- É incrível! - protestou o rei. - E a represa do rio Gurgã? E o palácio subterrâneo? E a célebre abolição do véu feminino? Não teria o príncipe praticado nenhuma dessas tão prometidas loucuras.
O vizir explicou, então, ao rei Balchuf que tudo isso e muito mais havia feito o príncipe. A represa do rio Gurgã fora de conseqüências magníficas, pois as águas espalharam-se pelas terras vizinhas, fertilizando-as e tornando-as bastante aperfeiçoadas à agricultura que logo se desenvolveu; o palácio subterrâneo, depois de construído, tornou-se grande atrativo, e milhares de forasteiros visitaram a capital unicamente para admirar essa nova maravilha, o que para o comércio de Astrabad fora manancial de grandes lucros e para o país fonte de gerais prosperidades. A abolição do véu feminino fora outra medida de alcance admirável. As raparigas passaram a andar com o rosto descoberto: abandonaram a ociosidade dos haréns e puderam trabalhar livremente não só nos bazares como nas pequenas indústrias. Uma vez condenado o véu, teve o príncipe ocasião de observar que suas jovens patrícia eram belíssimas e resolveu casar-se. Escolheu para esposa uma menina, formosa e inteligente, filha de um grande sábio. A nova princesa exerceu tão boa influência sobre o gênio de seu jovem esposo que o transformou radicalmente. Aconselhado pela fiel e dedicada companheira, o príncipe escolheu bons ministros, esforçados auxiliares e, bem guiado e melhor secundado, soube modificar bastante o seu gênio irrequieto e impulsivo. Até então não assinara uma única sentença de morte, nem mandara confiscar os bens de nenhum cidadão.
Ao ouvir tão assombrosas revelações, o rei Balchuf ficou pasmado e percebeu que havia perdido para sempre o direito ao trono; jamais poderia ele contar com o apoio de suas tropas ou com a antiga submissão de seu povo.
- Insensato fui eu - confessou ele ao vizir. - Insensato, pois não soube governar o meu povo como ele merecia! Insensato em escolher maus ministros e péssimos conselheiros! Louco era eu quando premiava os vis delatores e perseguia os bons patriotas!
- Agora é tarde para arrependimentos, ó rei - retorquiu com impaciência o vizir. - Volte Vossa Majestade para o país de Hajar e procure acabar lá sossegado os seus dias. Que o povo de minha terra não poderá suportá-lo mais!
E, tendo pronunciado tão ásperas palavras, o vizir afastou-se com a sua aparatosa comitiva deixando o infeliz rei abandonado na estrada.

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