terça-feira, 4 de outubro de 2011

Os Três Homens Iguais

Na velha cidade de El-Katif, que fica cercada de verdejante oásis para além do famoso deserto de Roba-el-Khali, apareceu, certa vez, um misterioso estrangeiro, mago persa de grande renome. Segundo andava na boca do povo, o tal mago fazia-se acompanhar de três homens possuidores da propriedade extraordinária e prodigiosa de serem rigorosamente iguais.
Não era possível - dizem as crônicas do tempo - nos espíritos mais meticulosos e observadores descobrir um traço qualquer que permitisse distinguir um dos tais homens dos outros dois sósias.
Contaram o caso ao poderoso Abdallah Fahad, rei xiita de El-Katif, senhor do império dos carmatas, mas o bom soberano não quis acreditar em tamanha singularidade.
- Seria possivel - refletia o monarca - que houvesse no mundo, assim como diziam, três homens perfeitamente iguais? Por certo que não!
E como o picasse a curiosidade - a que nem mesmo os grandes monarcas orientais podem fugir, declarou o rei Fahad que queria ver os três homens iguais, pois que somente assim é que poderia convencer-se da existência real do estranho fenômeno.
Uma ordem dada ao grão-vizir foi transmitida aos oficiais encarregados de zelar pela segurança pessoal do sultão. Preparou-se grande e riquíssimo cortejo e o rei, em luxuoso palanquim, acompanhado de brilhante comitiva, dirigiu-se à grande tenda que o mago mandara erguer para além das últimas tamareiras de El-Katif, entre dois rochedos, junto ao mar.
Ao avistar o inesperado cortejo diante da sua tenda o feiticeiro encaminhou-se ao encontro do sultão xiita e inclinando-se humilde diante dos nobres visitantes, exclamou:
- Allah conserve e prolongue por muitos anos felizes a vida preciosa de nosso amo e senhor!
O rei Abdallah Fahad desceu com cauteloso vagar do seu palanquim e, dirigindo-se ao velho ocultista, declarou que queria ver imediatamente os três homens iguais.
- Escuto e obedeço - respondeu o mago com ademanes cerimoniosos.
A tenda do velho feiticeiro era ampla e confortável.
O rei e os nobres que o acompanhavam mostraram-se surpreendidos com o luxo e a estranha arte com que tudo ali era arranjado.
Ao fundo, erguido sobre um tablado, via-se uma espécie de palco fechado na frente por um grande pano de veludo amarelo. Cobriam o chão enormes tapetes de cores vivas, cheios de arabescos exóticos.
O rei sentou-se, de pernas cruzadas, numa pilha de almofadas de seda indiana.
Fez-se grande silêncio.
Sentia-se, esparso no ambiente, nas pessoas, nas próprias coisas, o sopro de um mistério.
O mago bateu palmas três vezes e pronunciou umas palavras que ninguém entendeu.
Ergueu-se lentamente o pano e viram todos, de pé no meio do palco, um homem magro, moreno, vestido luxuosamente à maneira dos mercadores persas. Ostentava um turbante riquíssimo de seda branca e, à cintura, trazia um punhal alongado, cujo punho se marchetava de pedras preciosas. Esse homem misterioso cruzou vagarosamente os braços sobre o peito, sorriu e inclinou-se respeitoso diante da nobre assistência.
- Eis aí, ó Rei Magnânimo! - proclamou o mago - o primeiro dos três homens iguais.
A um sinal do velho ocultista o homem do turbante branco retirou-se lentamente, desaparecendo atrás de um grande e pesado reposteiro escuro que cobria o fundo do palco.
O mago bateu novamente palmas.
Apareceu então, vindo detrás do mesmo reposteiro escuro, um homem perfeitamente igual ao primeiro e vestido rigorosamente com os mesmos trajes. Dir-se-ia a mesma pessoa. O turbante parecia o mesmo e o punhal tinha até brilho idêntico. Igual era a expressão fisionômica, a maneira de olhar e de sorrir.
Eis aí, ó Rei Magnânimo! - declarou com voz firme o mago - eis aí o segundo dos três homens iguais.
Os vizires e cortesões, na quase certeza de que estavam sendo vítimas das artimanhas de um intrujão audacioso, entreolharam-se desconfiados.
A um novo sinal do ocultista persa, o segundo homem afastou-se e desapareceu como o outro atrás do reposteiro.
Em seguida o mago, com imperturbável calma e serenidade, bateu palmas pela terceira vez.
Surgiu imediatamente no palco, saindo por detrás do tal reposteiro, um terceiro homem perfeitamente igual aos outros dois. Não era possível notar-se, quer na fisionomia impassível do desconhecido, quer no seu trajar bem-posto, a mais pequena dessemelhança, com os outros dois que o haviam precedido.
- Eis aí, ó Rei dos Reis! - tornou o mago, com pausada firmeza - o terceiro dos três homens iguais.
O grão-vizir, que se achava de pé junto ao monarca, ao atentar nos olhares equívocos e nos sorrisos mal-reprimidos dos cortesãos, disse ao rei, em voz baixa:
- Quero crer, ó Emir dos Crentes! - que esse mago é um cínico, um impostor! Quer divertir-se à nossa custa! É evidente que foi o mesmo homem que apareceu três vezes diante de Vossa Majestade!
O rei Fahad, que vinha desconfiando do caso, mordido pela suspeita, ao ouvir a insinuação do grão-vizir ergueu-se colérico da almofada e gritou com os lábios brancos, o olhar desorientado:
- Não creio nesta farsa ridícula, ó velho intrujão! Julgas então não ter eu percebido que foi o mesmo homem que apareceu diante de mim três vezes? Queres fazer pilhérias ou ridicularizar o rei dos carmatas, senhor de um oásis que tem um milhão de palmeiras? Vais já para a forca, ó cão, filho de cão!
Ouvindo tão grave ameaça, inclinou-se o mago humildemente diante do rei e, depois de beijar a terra entre as mãos, assim falou:
- Acreditareis em mim, ó Rei, se virdes, agora, os três homens juntos?
Atalhou o rei Fahad, já mais tranqüilo:
- Não há como descrer se os vir ao mesmo tempo. Juro pela memória de Ali (com ele a oração e a glória!).
A um sinal do mago, ergueu-se o pesado reposteiro que cobria - como já dissemos - o fundo do palco.
E com grande assombro, viram todos - rei, vizires e altos dignitários da corte - três homens perfeitamente iguais, de pé, no meio do tablado. Estavam os três na mesma atitude; não era, realmente, possível distinguir-se entre qualquer deles a menor diferença!
- Agora sim! - afirmou, cheio de convicção, o senhor do grande oásis. - Agora sim, acredito! Os três homens são realmente iguais!
Ao ouvir tais palavras, adiantou-se o velho mago - que era um grande sábio - e dirigindo-se ao rei da famosa província árabe falou desta sorte:
- Perdoai, ó Emir, minha ousadia, mas não deveis acreditar no que se apresenta diante de vossos olhos!
- Por quê? - indagou o rei.
Porque agora - esclareceu o grande ocultista - no centro do trabalho está um homem só! As outras duas figuras que aparecem lado a lado são simples imagens obtidas com auxílio de dois espelhos habilmente combinados!
E, diante da decepção de todos os presentes, disse o sábio:
- A princípio era verdade. Fiz aparecerem os três homens, sendo um de cada vez. Mas como as aparências eram contra mim, ninguém me deu crédito! Da segunda vez apresentei um homem só, dando a ilusão, com o auxílio de uma combinação de espelhos, de que se tratava de três homens iguais. Embora não fosse verdade, todos acreditavam em mim porque as aparências eram a meu favor!
E, depois de fazer com que os três homens iguais passassem juntos diante do rei, a fim de evitar que qualquer dúvida pairasse ainda no espírito do arrogante monarca, concluiu o sábio persa:
- É assim também na vida! Iludidos pelas aparências enganadoras das coisas, deixamos muitas vezes de acreditar na Verdade, para acolher em nosso coração o Erro e a Mentira!

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