Conta-se que o judicioso rabi José o Galileu tinha uma esposa má e obstinada que lhe amargava a vida. A terrível mulher fazia-o sofrer toda a sorte de contrariedades, escândalos e humilhações; interrompia-o em seu estudo, insultava-o diante de seus próprios discípulos. Estes, não se conformavam com aquelas cenas escandalosas e atribuíam a culpa ao doutor que, como marido, não dava fim àqueles vexames. Um dia, finalmente, manifestaram todos, com franqueza, sua indignação e ardentemente exortaram o mestre a repudiar aquela péssima e indigna companheira.
O bom do marido procurava atenuar a culpa da esposa, escusá-la de todas as grosserias e ocultar-lhe os defeitos. Infelizmente a mulher contribuíra com valioso dote para o lar, ao passo que o doutor não possuía senão pequenos bens de fortuna.
Os discípulos, não querendo sofrer, por mais tempo, aquela situação de constrangimento, e movidos de compaixão pelo mestre, reuniram entre si a soma que correspondia ao dote, e induziram o rabi a indenizar a rancorosa mulher e requerer o divórcio.
A perversa, de posse do dinheiro, abandonou sem o menor pesar o pobre doutor; algum tempo depois, enamorou-se do governador da cidade, com o qual se casou, passando muitos meses numa vida divertida e ruidosa.
Mas o bem dura pouco; o governador, que era um homem opulento e prestigioso, caiu na antipatia do príncipe, foi despojado de todas as riquezas, ficou reduzido à extrema miséria, e. para cúmulo da desgraça, referiu-o súbita e irremediável cegueira.
Não tendo meio algum de vida, marido e mulher tiveram de recorrer à caridade pública. Todos os dias a infeliz levava o marido cego pelas ruas, e da piedade dos transeuntes recolhia as míseras migalhas com que se mantinha.
O cego, que conhecia muito bem a cidade, notou que a mulher não o levava nunca a uma certa praça muito concorrida. Não a censurou, mas pediu-lhe que o conduzisse até lá, porque os israelitas, moradores na tal praça, seriam certamente muito pródigos nas esmolas.
- Esmolar entre os hebreus? - retorquiu a mulher, num gesto de revolta. - Mas não sabes que era israelita o meu primeiro marido? Não, eu não me exporei nunca a essa humilhação.
O cego insistiu ainda, porém, a mulher declarou que jamais concordaria com aquilo.
Num de seus costumeiros passeios o cego percebeu, casualmente, que se encontravam próximos da tal praça. Alterando então a voz e ameaçando, exigiu que a mulher o conduzisse ali. A mulher resiste, o cego pragueja e, iracundo, arroja-se sobre ela, segura-a pelos cabelos e começa a espancá-la com fúria.
Aos gritos da infeliz acodem várias pessoas, entre as quais o rabi José, o seu primeiro marido. Este, reconhecendo a sua ex-esposa sente o ânimo agitado por penosa recordação. Procura acalmar o cego, consola a desditosa criatura, dá aos dois uma habitação de sua propriedade e, desde então, toma a seu cargo a manutenção do pobre casal.
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