quinta-feira, 6 de outubro de 2011

O Oleiro e o Poeta

O caso da rua El-Kichani parecia realmente muito sério. Uma rixa inesperada surgira entre o jovem Fauzi, o poeta, e o oleiro Nagib. Os curiosos amontoavam-se junto à casa do oleiro. Cruzavam-se as interrogações: - “Que foi? Como foi? Brigaram?”. Um guarda, para evitar que o tumulto se agravasse, resolveu levar os dois litigantes à presença do cádi, isto é, do juiz.
Esse juiz, homem íntegro e bondoso, interrogou em primeiro lugar o oleiro, que parecia o mais exaltado:
- Mas afinal, meu amigo? De que se trata? Parece-me que foste agredido. É verdade?
- Sim, senhor juiz - confirmou o oleiro desabridamente. – Fui agredido em minha própria casa por esse poeta. Estava, como de costume, trabalhado em minha oficina, preparando dois novos vasos coloridos que pretendia vender ao príncipe Rauzi, quando ouvi um ruído surdo e a seguir um baque. Percebi logo de que se tratava. O poeta Fauzi, que cruzava naquela ocasião a rua Bardauni, havia atirado violentamente uma pedra e partira um dos vasos - um vaso já pronto, que estava a secar junto à porta! Ora, senhor juiz, isso é um absurdo, um crime! Estou no meu direito. Exijo uma indenização!
Voltou-se o juiz para o poeta e interpelou-o serenamente:
- Que tens a alegar, meu amigo? Como justificas o teu estranho proceder?
- Senhor cádi - respondeu o jovem, o caso é muito simples e quero crer que a razão milita a meu favor. Há três dias passados voltava eu da mesquita quando, ao cruzar a rua Bardauni, em que mora o oleiro Nagib, percebi que ele declamava um de meus poemas. Notei com tristeza que os versos estavam errados. O oleiro mutilava, isto é, quebrava os meus versos. Aproximei-me dele e delicadamente ensinei-lhe a forma certa, que ele repetiu sem grande dificuldade. No dia seguinte, ao passar novamente pelo mesmo lugar, ouvi ainda o oleiro a repetir os mesmos versos deturpados, isto é, com a forma erradíssima. Cheio de paciência, tornei a ensinar-lhe a forma correta, e pedi-lhe que não tornasse a mutilar os meus poemas. Hoje, finalmente, regressava eu do trabalho quando, ao passar pela rua Bardauni, percebi que o oleiro declamava a minha linda poesia estropiando as rimas e mutilando vergonhosamente os versos. Não me contive. Apanhei de uma pedra e parti com ela um de seus vasos. Como vê, senhor juiz, o meu procedimento não passou, afinal, da represália de um poeta, que se sente ferido em sua sensibilidade artística por um indivíduo grosseiro.
Ao ouvir as alegações do poeta, o juiz, dirigindo-se ao oleiro, declarou:
- Que esse caso, Nagib, sirva de lição para o futuro! Procura respeitar as obras alheias a fim de que os outros artistas respeitem as tuas obras. Se te julgavas com o direito de quebrar o verso do poeta achou-se também o poeta com o direito de quebrar o teu vaso. Lembra-te de que o poeta é o oleiro da frase, ao passo que o bom oleiro é o poeta da cerâmica!
E a sentença do ilustre cádi foi a seguinte:
- Determino, pois, que o oleiro Nagib fabrique um novo vaso de linhas perfeitas e cores harmoniosas, no qual o poeta Fauzi escreverá um de seus lindos versos. Esse vaso será vendido em leilão e a importância da venda repartida igualmente entre ambos.
A notícia do caso espalhou-se pela cidade. O oleiro vendeu muitos vasos com versos do poeta Fauzi e ambos tornaram-se prósperos e ricos. Mas continuaram sempre bons amigos. O oleiro mostrava-se arrebatado ao ouvir os versos do poeta. Encantava-se o poeta com os vasos admiráveis do oleiro.
Uassalã!

Nenhum comentário:

Postar um comentário